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[SIGHTING] Luiz Fernando VerĂssimo: HH, The Monster
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O monstro - 15 de julho de 2012 | 3h 09
Luis Fernando Verissimo - O Estado de S.Paulo
O monstro - cultura - versaoimpressa - EstadĂŁo
www.estadao.com.br > Cultura
Num dos eventos da Festa Literária Internacional de Paraty, cuja dĂ©cima edição se encerrou no domingo passado, vários autores disseram na Rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles, quais eram seus personagens literários inesquecĂveis. Eu e o Zuenir Ventura fomos os Ăşltimos a depor. O personagem escolhido pelo Zuenir foi a baleia "Moby Dick", o meu foi outro monstro: Humbert Humbert, o narrador do livro Lolita de Vladimir Nabokov.
Lolita Ă©, para dizer pouco, um livro ambĂguo, e a ambiguidade começa no nome duplo do seu narrador. O livro ficou famoso pela razĂŁo errada, o fato de ser a histĂłria da sedução de uma garota de 12 anos por um homem de mais de 40, mas seus mĂ©ritos literários ultrapassam o escândalo. É um livro erĂłtico, lido e interpretado como um livro erĂłtico - tanto que durante muito tempo sĂł foi acessĂvel em certos paĂses em edições pirateadas de uma editora francesa especializada em literatura erĂłtica - mas que contĂ©m pouco sexo explĂcito. Seu narrador Ă© ao mesmo tempo uma figura monstruosa e fascinante, um homem obcecado que submete uma menina Ă sua obsessĂŁo e um dos personagens mais divertidos da literatura moderna.
Humbert Humbert Ă© quase uma autoparĂłdia do intelectual europeu empanturrado de cultura obsoleta, sendo simultaneamente repelido pela vulgaridade da AmĂ©rica e perdidamente apaixonado por ela, na figura metafĂłrica de Lolita. AtĂ© hoje os crĂticos discutem quem afinal corrompe quem, no livro. Lolita e a cultura superficial mas irresistĂvel da jovem AmĂ©rica corrompem o europeu ou a alta cultura europeia, mesmo priápica e decadente, corrompe a inocente AmĂ©rica? Dada a ambiguidade do livro, talvez aconteçam as duas coisas.
Lolita está para a obra de Nabokov um pouco como o Cântico dos Cânticos está para a BĂblia.("Lolita is to Nabokov's work a bit like the Song of Songs, to the Bible") Os dois textos exigem alguma ginástica argumentativa dos seus explicadores. Já ouvi o grande poema lĂşbrico de SalomĂŁo ser descrito como uma declaração cifrada de amor a Deus e atĂ© fundamentalistas, para quem tudo na BĂblia Ă© verdade literal, fazerem uma exceção e admitirem metáfora, no caso. Lolita tambĂ©m seria uma anomalia na obra de Nabokov, que pouco usou o sexo nos seus outros livros. Há, mesmo, mais sexo no resto da BĂblia do que nos outros livros do Nabokov. Os explicadores de Nabokov, com a mesma intensidade dos fundamentalistas, combatem a ideia de que Lolita seja pornográfico.("I've already heard about how King Salomon's great lubric poem is a cyphered declaration of love to God. Even fundamentalists who read the Bible as offering literal truth, made an exception to admit metaphors, in this case. Lolita would also be an anomaly in Nabokov's oeuvre, since he didn't often write about sex in his other books...")
As andanças de Humbert Humbert e Lolita pelas estradas e motĂ©is da AmĂ©rica sĂŁo vistas por alguns crĂticos como uma viagem do prĂłprio Nabokov pela lĂngua inglesa, ou - melhor - a lĂngua americana. Lolita foi o seu primeiro romance escrito em inglĂŞs e ele aproveitou para inventar neologismos e brinca, com Ăłbvio prazer, com termos e peculiaridades da sua lĂngua adotada. Nabokov nunca diria, como Flaubert disse de Madame Bovary, "Humbert Humbert sou eu". Mas nĂŁo há dĂşvida que ele tambĂ©m se divertiu com o personagem - esquecido, Ă© claro, o destino da pobre Lolita nas mĂŁos do monstro. O autor teve mais sorte do que Humbert Humbert, que escreve sua histĂłria na prisĂŁo, esperando a morte. Foram os direitos autorais do livro e a notoriedade que ele conquistou com a obra que permitiram a Nabokov voltar a morar na Europa e viver sĂł da literatura. Metaforicamente, Lolita lhe devolveu a juventude.(... "Metaphorically, Lolita gave back Nabokov's youth.")
other references to Nabokov, by L.F.VerĂssimo:
Entre grades - cultura - versaoimpressa - EstadĂŁo
www.estadao.com.br > Cultura
CrĂ´nicas Selecionadas Do Jornal EstadĂŁo- LuĂs Fernando VerĂssimo
pt.scribd.com/.../Cronicas-Selecionadas-Do-Jornal-Estadao-Luis-Fern...
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Num dos eventos da Festa Literária Internacional de Paraty, cuja dĂ©cima edição se encerrou no domingo passado, vários autores disseram na Rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles, quais eram seus personagens literários inesquecĂveis. Eu e o Zuenir Ventura fomos os Ăşltimos a depor. O personagem escolhido pelo Zuenir foi a baleia "Moby Dick", o meu foi outro monstro: Humbert Humbert, o narrador do livro Lolita de Vladimir Nabokov.
Lolita Ă©, para dizer pouco, um livro ambĂguo, e a ambiguidade começa no nome duplo do seu narrador. O livro ficou famoso pela razĂŁo errada, o fato de ser a histĂłria da sedução de uma garota de 12 anos por um homem de mais de 40, mas seus mĂ©ritos literários ultrapassam o escândalo. É um livro erĂłtico, lido e interpretado como um livro erĂłtico - tanto que durante muito tempo sĂł foi acessĂvel em certos paĂses em edições pirateadas de uma editora francesa especializada em literatura erĂłtica - mas que contĂ©m pouco sexo explĂcito. Seu narrador Ă© ao mesmo tempo uma figura monstruosa e fascinante, um homem obcecado que submete uma menina Ă sua obsessĂŁo e um dos personagens mais divertidos da literatura moderna.
Humbert Humbert Ă© quase uma autoparĂłdia do intelectual europeu empanturrado de cultura obsoleta, sendo simultaneamente repelido pela vulgaridade da AmĂ©rica e perdidamente apaixonado por ela, na figura metafĂłrica de Lolita. AtĂ© hoje os crĂticos discutem quem afinal corrompe quem, no livro. Lolita e a cultura superficial mas irresistĂvel da jovem AmĂ©rica corrompem o europeu ou a alta cultura europeia, mesmo priápica e decadente, corrompe a inocente AmĂ©rica? Dada a ambiguidade do livro, talvez aconteçam as duas coisas.
Lolita está para a obra de Nabokov um pouco como o Cântico dos Cânticos está para a BĂblia.("Lolita is to Nabokov's work a bit like the Song of Songs, to the Bible") Os dois textos exigem alguma ginástica argumentativa dos seus explicadores. Já ouvi o grande poema lĂşbrico de SalomĂŁo ser descrito como uma declaração cifrada de amor a Deus e atĂ© fundamentalistas, para quem tudo na BĂblia Ă© verdade literal, fazerem uma exceção e admitirem metáfora, no caso. Lolita tambĂ©m seria uma anomalia na obra de Nabokov, que pouco usou o sexo nos seus outros livros. Há, mesmo, mais sexo no resto da BĂblia do que nos outros livros do Nabokov. Os explicadores de Nabokov, com a mesma intensidade dos fundamentalistas, combatem a ideia de que Lolita seja pornográfico.("I've already heard about how King Salomon's great lubric poem is a cyphered declaration of love to God. Even fundamentalists who read the Bible as offering literal truth, made an exception to admit metaphors, in this case. Lolita would also be an anomaly in Nabokov's oeuvre, since he didn't often write about sex in his other books...")
As andanças de Humbert Humbert e Lolita pelas estradas e motĂ©is da AmĂ©rica sĂŁo vistas por alguns crĂticos como uma viagem do prĂłprio Nabokov pela lĂngua inglesa, ou - melhor - a lĂngua americana. Lolita foi o seu primeiro romance escrito em inglĂŞs e ele aproveitou para inventar neologismos e brinca, com Ăłbvio prazer, com termos e peculiaridades da sua lĂngua adotada. Nabokov nunca diria, como Flaubert disse de Madame Bovary, "Humbert Humbert sou eu". Mas nĂŁo há dĂşvida que ele tambĂ©m se divertiu com o personagem - esquecido, Ă© claro, o destino da pobre Lolita nas mĂŁos do monstro. O autor teve mais sorte do que Humbert Humbert, que escreve sua histĂłria na prisĂŁo, esperando a morte. Foram os direitos autorais do livro e a notoriedade que ele conquistou com a obra que permitiram a Nabokov voltar a morar na Europa e viver sĂł da literatura. Metaforicamente, Lolita lhe devolveu a juventude.(... "Metaphorically, Lolita gave back Nabokov's youth.")
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